segunda-feira, 11 de abril de 2011

No triunfo: a minha Maratona de Paris


Diz-se com frequência que uma maratona só começa depois dos 30 quilómetros. É mais uma daquelas frases feitas que até teria sentido se disséssemos que uma maratona só começa a doer depois dos 30k. Porque, mesmo se estivermos tranquilos física e mentalmente naquele ponto, tudo o que fizemos ou não fizemos antes de lá chegarmos poderá quase certamente determinar o que se passará no último terço da prova.

Em Berlim, em Setembro do ano passado, na maratona inaugural, também fui tranquilo até ao 38º. Só que tinha andado o dia anterior a passear na cidade a arrastar umas botas Timberland. Só que o meu pequeno-almoço tinha apenas sido duas maçãs. Só que fiz a minha parte mais rápida da prova numa altura errada. Então, a quatro quilómetros e picos do fim, fiquei sem quase nada no depósito. Parei duas vezes e, debaixo de uma chuva intensa, não consegui que a minha cabeça pusesse as minhas pernas a mexer. Isso só aconteceria no penúltimo quilómetro, após um providencial reabastecimento. Seja como for, frustrou os meus planos de fazer um tempo sub-4 horas. E isso fez com que me apresentasse ontem à partida do 35e Marathon de Paris com a marca de 4:03:59.

Já para Paris tudo se passaria de forma diferente. Treinei debaixo da atenção personalizada de uma super-Rita Borralho, fui sempre amparado pelos meus super-colegas na RB Running (alguns deles maratonistas também) e cheguei a este mês de Abril com a mente e a energia no ponto certo. Além do mais, a tarde e a noite de Sábado foram passadas a descansar no hotel e o pequeno-almoço na manhã da corrida meteu nutrição à séria (e não apenas maçãs).

Quando saí do metro em Charles de Gaulle / Étoile caí automaticamente nos braços de mais de 30 mil corredores. Podem dizer que tanta população perturba o ritmo e é verdade. Ao sexto quilómetro cheguei a estar parado porque a entrada numa rua era demasiado estreita para enfiar tanta gente. Mas o espírito, o espírito que vive uma prova destas é inigualável. Já o tinha sentido em Berlim, vi-o em Paris e não espero que NY e Londres sejam diferentes.

Seja como for, com mais ou menos travagens, cheguei a meio da prova com o corpo folgado e com uma passagem de 1:49:35 que estava 55” abaixo do tempo escrito na minha pulseira. Andava a um ritmo aproximado de 5:10/k, sem forçar e sempre a correr na parte da sombra. Para interesse estatístico, estava em 10.159º lugar.

Mas, logo de seguida, tive que me decidir parar. O peito do pé direito doía-me já há algum tempo e pensei que os atacadores estariam demasiado apertados. Desapertei, apertei e arranquei num pit stop que não demorou quase nada. Cinco, seis segundos. Contudo, nada tinha mudado e cheguei a pensar que tudo tinha sido feito rápido demais para ter ficado bem feito. Então, pela segunda vez em poucos minutos, a Avenue Dumesnil pôs-me de joelhos. Desta vez para uma paragem com mais cabeça. Reentrei na estrada sem que as dores desaparecessem e achei que o melhor seria ir andando sem prestar muita atenção. E, assim, entre a paragem na saída da Bastille e as duas idas à box, parei quase um minuto e meio (84” segundo o Garmin).

À passagem dos 25k, enquanto corríamos junto ao Sena, o ritmo mantinha-se pelos 5:10 e o cronómetro estava 53” abaixo do planeado. Pouco antes de deixarmos as margens do rio, com o quilómetro 30, sentir-se-ia a chegada de algum calor. O ritmo estava ligeiramente inferior e, ao passar com 2:36:49, tinha decrescido o meu avanço para o tempo planeado (que era agora de 11”). Estava aqui em 9.315º lugar.

Com 5:02, 5:01, 5:04 e 5:07 até ao 34º quilómetro começaria a ganhar terreno. Terreno esse que um abastecimento desastrado se encarregaria de fazer perder. Até então, tinha-os evitado e andado pelos meus recursos, mas nesta altura já a minha água era escassa e estava quente. Seria o meu primeiro abastecimento e teve o condão de me fazer demorar 5’29” para o 35º quilómetro. A pulseira de plástico dizia que eu ainda estava dentro do plano. Mas eram apenas 8 segundos, o desgaste começava a sentir-se nas pernas e estava a chegar o temido Bois de Boulogne.

Nunca ali tinha estado. Mas nunca me esquecerei. Tenho a sensação que nesta altura, com o calor a subir, a minha corrida eram mais os braços a puxar e as pernas a corresponder. Nesta zona é menos o público e o pelotão está fatigado. Para não cairmos na indolência geral, tive que procurar referências e tentar ir com eles. Mas, nunca se conseguia durante muito tempo. Aqui, nestes quilómetros, fiz a minha prova.

Com 5:09, 5:01, 4:56, 4:53, 5:00 e 5:01, consegui resistir ao andar do relógio e mantive acesa a luta para terminar dentro da marca de 3 horas e 40 minutos.

No entanto, o esforço de ter ultrapassado mais de 2.200 corredores em pouco mais de 11 quilómetros trouxe-me um último quilómetro de incerteza. O depósito já estava claramente na reserva e o ritmo baixara bruscamente para 5:17. No momento já não havia discernimento para fazer contas com o relógio. A exaustão era muito forte e tive que canalizar a minha cabeça para não deixar o corpo baixar de ritmo e para conseguir forças para aquela última série. Já na recta da meta, foi um alívio perceber que a marca que eu queria não ia fugir. O novo recorde já estava há muito tempo no bolso, mas eu queria um sub-220 minutos. Acabaria por fechar Paris com 3:39:30, o que significa ter retirado 24 minutos e 39 segundos a Berlim 2010.

Para o quadro estatístico completo, classifiquei-me oficialmente em 7.046º e tive uma classificação real em 6.986º entre os 31.169 que concluíram a prova.

Fecho o ciclo dizendo que acabei mesmo por conseguir sorrir para o Arco do Triunfo. À custa de uma boa luta e com a bênção dos Deuses da Maratona.

3 comentários:

  1. Parabéns, Zé Alves, gostei da narrativa, especialmente a "super-Rita" e os "super-colegas RB". Fizeste uma excelente marca, baixando 24 min, é um grande avanço!! Mesmo com alguns contratempos, conseguiu resistir e recuperar ao final. Valeu, campeão!!:)
    Denise Cesca

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  2. Muitos parabéns, na próxima decerto que ainda vai ser melhor.
    Bom relato.
    Uma boa recuperação.
    Abraço.

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  3. Muitos parabéns. Espectacular!

    Um abraço

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