quarta-feira, 29 de setembro de 2010

4 horas, 3 minutos e 59 segundos

No Sábado à tarde, passei pela Leipziger Strasse e parei. Estava a decorrer a maratona para patinadores em linha e, entusiasmado com o espectáculo e com o apoio dos berlinenses, ali fiquei a olhar. Naquela altura, muito longe estava de saber que seria naquela mesma Leipziger Strasse que eu viria a subitamente enterrar as minhas aspirações a fazer a 37ª real,- Berlin Marathon abaixo das 4 horas.

Feito o balanço, até aquele quilómetro 38, tudo vinha a correr sem sobressaltos. Estava abaixo do par e uma dor na virilha esquerda não chegava a fazer-me travar o ritmo pré-estabelecido. O cansaço sentia-se nas pernas, mas se me dissessem antes da prova que iria chegar ao k38 abaixo das 3 horas e meia deixar-me-iam nas nuvens para esta minha primeira maratona.

Só que ao 38 crashei. Não parei. Mas, surgindo de entre um cérebro confuso, um corpo enregelado (choveu a esmagadora maioria do tempo) e umas pernas que começaram a ficar para trás, apareceu o meu muro pessoal. Lembro-me de me ter forçado a raciocinar se isto tinha vindo de um ritmo exagerado, de um dia de véspera em que estupidamente tinha andado muito em cima dos pés, de noites mal dormidas, enfim de tudo o que me parecesse que podia explicar aquele desaire. Certo é que fiz dois quilómetros em quase 17 minutos (!). Foi o abastecimento do k40 que me resgatou. Aí parei, bebi e as minhas pernas voltaram a correr. Até passar a Porta de Brandenburgo. Até atravessar a meta.

Enquanto estou a escrever, veio-me à cabeça ter lido algures que os maratonistas de Berlim 2009 tinham corrido sob uma temperatura exagerada. Este ano foi ao contrário. Quase nunca deixou de chover. Mas, coberto por uns plásticos da Adidas, o pelotão ia-se mantendo aquecido enquanto esperava que os acordes de Vangelis prenunciassem o tiro de partida. Foi por aí que desejei boa sorte a uma camisola com uma pequena bandeira de Portugal nas costas. Era o António Alves, que também estava ali para fazer um tempo sub-4. E que (ironia suprema) era mais um da RB Running. Para não destoar, mais uma vez o nome Rita Borralho e o respeito e admiração dos seus atletas vêm na mesma frase.

Enfim, soou a partida e não demorou muito a que chegassem os pontos altos e os pontos baixos de uma maratona com 40.000 corredores. É uma festa extraordinária, mas a estrada tem muito pouco espaço para circular. Por isso mesmo nunca estamos desacompanhados nos melhores ou piores momentos, mas depois há a luta para furarmos até às mesas de abastecimento, pegarmos num copo com água ou isotónico e conseguir sair com ele sem que o líquido se entorne.

Com o António e mais um companheiro de Torres Vedras (“um segundo abaixo das 4 horas, mas o meu principal objectivo é acabar bem disposto”), os primeiros k’s iam-se fazendo na tagarelice. Chegando ao k10 com 57:57, estava na verdade abaixo da minha expectativa (56:30). Não era razão para preocupações, de modo que à passagem dos 20k a décalage para o meu par não tinha subido nem descido. Estava ainda com cerca de um minuto e meio de atraso, mas não era ainda momento para forçar.

Sentia-me com pernas e, ainda em dupla com o António, fiz todo o trajecto até aos 30k sem percas. Estava bem e sentia-me sólido. Sentia-me quase a entrar no desconhecido, mas coincidentemente (ou talvez não), os 90” acima do programado não se iam mexendo.

Numa análise já com alguma distância, foi a partir daí que o destino da corrida se começou a lançar. É verdade pois o que me iam dizendo os mais experientes: a maratona começa aos 30k. E terá sido justamente a velocidade a que andei entre o k30 e o k35 que me viriam a fazer pagar a factura. Tinha já recuperado no cronómetro, mas sem saber tinha feito comprometer uma melhor marca. Para que se perceba, os meus dois quilómetros mais rápidos em toda a corrida foram o 33º e o 34º. Embriagado pela ideia de ultrapassar marcos como o k32 ou o k35 (por onde normalmente se diz que há muros à espreita), fui começando a construir o meu próprio muro.

Já tinha interiorizado que a dor na virilha estava ali, portanto não me afectava. Mas o primeiro sinal de grande desconforto veio da extraordinária dificuldade em abrir um pacote de gel. Tinha as mãos molhadas e enregeladas e aquela batalha fez-me sentir nervoso. Estava no 36º e logo de seguida vi o António Alves a afastar-se e percebi que estava a perder o gás. Vítima da minha inexperiência, comecei a afundar-me. Mesmo assim, ainda me forcei a aguentar e fiz um par de quilómetros a um ritmo admissível, ainda inferior aos 6’/km. Mas então apareceu a Leipziger Strasse. A longa e larga Leipziger Strasse.

Depois da recuperação, cruzaria a meta com 4:03:59. Exactamente 4 minutos acima do meu objectivo de tempo. Mas nada me conseguirá fazer esquecer de duas ou três lições que levo da capital da Alemanha. Hoje, no momento em que escrevo (são 11 horas na manhã de Segunda-Feira), não me sinto bem nem mal. Nem sequer me sinto diferente. Mas, no capítulo desportivo, algo me alegra: já estou inscrito na Maratona de Paris, em Abril do ano que vem. Porque, até poder, quero mais dez, vinte ou cem lutas como estas.


Domingo, 26 de Setembro de 2010

6 comentários:

  1. Olá
    parabéns, você agora é um maratonista, isso já ninguém lhe tira, quanto ao tempo, seria bom ter baixado das 4h mas penso que numa 1ª vez isso também não é tão importante quanto isso, eu na 1ª maratona fiz 4h06' (Porto2008...em Dezembro de 2009 (Lisboa) fiz 4h33'.
    Uma boa recuperação.

    ResponderEliminar
  2. Obrigado pelas palavras. Esperemos que siga o seu bom augúrio. Um abraço e um bom 7 de Novembro no Porto.

    ResponderEliminar
  3. OS meus parabéns, ainda não ganhei coragem para tal prova.. boa semana

    ResponderEliminar
  4. Caro Carlos Lopes, não é por falta de coragem com certeza. Quando começar, será mais uma prova onde estará ao nível bastante alto que tem nas distâncias maus curtas. Bons treinos.

    ResponderEliminar
  5. Viva José,
    Antes de mais parabéns pela conclusão da 1ª Maratona e obrigado pela companhia em Berlim!
    Já vi que és RB! bem-vindo e até breve na Pista!
    Abraço,
    António

    ResponderEliminar